De olho na possibilidade de aumentar a mensalidade sem a interferência da ANS (Agência Nacional de Saúde), as operadoras de saúde estão reduzindo a oferta de planos individuais e familiares enquanto aumentam a de planos coletivos, cujo índice de reajuste não é decidido pela agência reguladora.
O que aconteceu
A ANS só define o reajuste dos planos vendidos diretamente a uma pessoa ou família. Em 2023, a agência aumentou a mensalidade em 9,6%. Já os planos coletivos são vendidos para empresas ou a determinadas categorias (como advogados, médicos e servidores). Nesses casos, quem decide o índice é a operadora em acordo com a empresa ou entidade. No ano passado, o reajuste dos coletivos ficou em 26% — e deve ficar em 25% este ano.
Os planos individuais e familiares à venda caíram 90% no Brasil. Em dezembro de 2013, estavam disponíveis 203 planos individuais e familiares por município, em média. Em junho de 2023 — último disponível –, havia 18 planos, segundo dados fornecidos pela ANS a pedido do UOL.
Já o total de planos coletivos à venda cresceu 50% entre dezembro de 2013 a junho de 2023. Passou de 1031 para 1556 segundo média da ANS que contabiliza os planos existentes em todos os municípios brasileiros. Em dezembro de 2023, os planos individuais e familiares contavam com 8,8 milhões de beneficiários, enquanto os coletivos somavam 42,2 milhões de segurados.
O número de operadoras vendendo planos de saúde caiu de modo geral no Brasil. Mas essa redução é maior entre as seguradoras que vendem planos individuais e familiares: queda de 85,5%, contra redução de 33,6% entre as que comercializam planos empresariais e por adesão.
Coletivos são menos regulados
O reajuste dos planos individuais passou a ser feito pela ANS depois de sua criação, em 2000. “Como nos coletivos as operadoras não precisam seguir critério para fixar um índice, com o tempo as operadoras priorizaram a comercialização dos coletivos”, diz o advogado Rafael Robba, do Vilhena Silva Advogados.
Decidir sozinha o reajuste dos coletivos não é a única vantagem para as operadoras. “Os planos individuais e familiares não podem ser cancelados pelas operadoras de forma imotivada”, diz o especialista. “Só pode cancelar após inadimplência superior a 60 dias ou fraude. Nos coletivos, a lei é omissa: as operadoras colocam nos contratos com as empresas a possibilidade de cancelar sem motivos — só precisa avisar com antecedência de 60 dias.”
Graças a isso, é cada vez mais difícil encontrar um plano individual ou coletivo. Depois de muita procura, a contadora Ellen Cristina de Araújo Lopes, 38, conseguiu contratar um plano da Hub Health em setembro do ano passado, mas se decepcionou dois meses depois.
A seguradora cancelou o plano depois de apenas cinco dias de atraso. “Eu não recebi nenhum comunicado. Eles mandaram uma mensagem no WhatsApp e não consegui falar com um atendente até hoje”, diz ela. Procurada por e-mail, telefone e WhatsApp, a operadora não respondeu até a publicação desta reportagem.
Ao longo do tempo, as operadoras passaram a criar outras formas de vender planos para as famílias. A estratégia, explica Robba, é oferecer planos mais baratos, com até cinco vidas, aos donos de pequenas empresas, que usam seu CNPJ para contratar um “plano empresarial” para sua família, os chamados “pejotinhas”.
Os dados da ANS atestam esse aumento. A proporção de beneficiários em contratos coletivos com até cinco vidas triplicou, passando de 5% para 15% do total de pessoas com algum plano médico entre 2014 e 2023, diz a agência reguladora.
Procurada, a ANS admite que algumas regras são diferentes para planos individuais e coletivos. “As regras de reajuste e de rescisão contratual diferem de acordo com o tipo de contratação, mas seguem regras estipuladas pela ANS”, afirma. Sobre a redução na oferta de planos individuais e familiares, a agência diz que precisa respeitar a “livre iniciativa”.
Operadoras admitem redução
A regulação em vigor “tem inibido a oferta desse tipo de produto”, diz a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar). “O reajuste autorizado pela ANS para os planos individuais tem sido sistematicamente inferior ao aumento dos custos com tratamentos e à inflação médica”, observa a entidade. “De 2019 a 2022, o reajuste acumulado autorizado foi de cerca de 15%, enquanto a variação das despesas médico-hospitalares foi de 41%.”.
Tal fato justifica a redução da oferta desse tipo de produto. É urgente que a atual forma de reajuste dos planos individuais evolua para uma metodologia baseada na variação de custos de cada operadora”, FenaSaúde, em nota.
Fonte: CQCS
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